Especialistas defendem aumento de 50% no preço da água, mas admitem que medida “não dá votos”

Apesar de muitos consumidores se queixarem de tarifas elevadas, especialistas garantem que a água continua a ser demasiado barata em Portugal e que o seu preço deveria subir cerca de 50% para garantir a sustentabilidade do setor. O tema, porém, continua a ser tabu em períodos eleitorais.

Revista de Imprensa
Setembro 29, 2025
11:00

Apesar de muitos consumidores se queixarem de tarifas elevadas, especialistas garantem que a água continua a ser demasiado barata em Portugal e que o seu preço deveria subir cerca de 50% para garantir a sustentabilidade do setor. O tema, porém, continua a ser tabu em períodos eleitorais.

De acordo com um trabalho do jornal Público, estudos da Deco Proteste revelam disparidades significativas entre municípios. Em Santa Maria da Feira, por exemplo, onde a gestão da água está concessionada desde 1999, uma família com consumo anual de 120 metros cúbicos paga 448,60 euros, valor que sobe para 705,52 euros com 180 metros cúbicos. Já em concelhos vizinhos como Oleiros, a mesma quantidade de água custa menos de metade. O caso mais extremo verifica-se entre o Fundão, que apresenta a fatura mais cara do país (776,74 euros por 180 metros cúbicos), e Oleiros, onde o mesmo consumo ronda 316,26 euros.

Os especialistas insistem, no entanto, que a perceção generalizada de que “a água é cara” não corresponde à realidade. Eduardo Marques, presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente, sublinha que “em média, a água custa 30 cêntimos por dia a cada pessoa, um terço de um café”. Já Alfeu Sá Marques, professor jubilado da Universidade de Coimbra e presidente da empresa municipal Águas de Coimbra, fala numa “total iliteracia” sobre o tema: “As pessoas associam a água a um bem da natureza, que cai do céu, mas esquecem os custos elevados de captação, tratamento e distribuição.”

A diversidade de modelos de gestão explica parte das diferenças. Segundo o relatório anual da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), em 2023 existiam 351 entidades gestoras, com serviços assegurados de forma direta pelas câmaras, por empresas municipais ou em regime de concessão privada. Em muitos concelhos com gestão direta, como Castro Daire ou Vila Nova de Foz Côa, as tarifas são mais baixas porque os municípios subsidiam os custos com receitas fiscais. Mas Eduardo Marques alerta que “cerca de 65% das entidades gestoras não cumprem a lei, que exige cobertura integral de custos através dos tarifários”, o que coloca em causa a sustentabilidade financeira.

Em Santa Maria da Feira, a autarquia defende que o tarifário elevado resulta do forte investimento realizado desde a concessão à Indaqua, que permitiu alargar a cobertura de água e saneamento a quase 100% da população. “Não é correto comparar a fatura da Feira com a de municípios onde os impostos locais subsidiam o serviço. Aqui aplica-se o princípio do utilizador-pagador”, refere o executivo. Ainda assim, a Deco Proteste alerta que “as diferenças encontradas não podem ser justificadas apenas pelos investimentos ou níveis de cobertura” e defende uma harmonização tarifária a nível nacional.

Os especialistas convergem na ideia de que será inevitável um aumento significativo nos próximos anos. Eduardo Marques lembra que o Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais 2030 prevê “aumentos tarifários médios na ordem dos 50%” para garantir a renovação de infraestruturas, acompanhados de tarifas sociais para famílias mais carenciadas. Mas reconhece que “as tarifas andam ao sabor da vontade política” e que “subir o preço da água não dá votos”.

Para Alfeu Sá Marques, a solução passaria por estabelecer um preço nacional da água, evitando o atual sistema fragmentado que considera “uma péssima estratégia”. O especialista alerta que “todas as entidades gestoras têm uma bomba-relógio”, uma vez que grande parte das redes foi construída com fundos comunitários e terá de ser renovada em poucas décadas. Até lá, conclui, mantém-se a contradição: os consumidores queixam-se de preços altos, mas Portugal continua a ter uma das águas mais baratas entre os serviços públicos essenciais.

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